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sábado, setembro 18, 2004


To sing or not to sing... 

Um episódio passado hoje no laboratório fez-me partilhar uma reflexão convosco. Na cafetaria, à hora do lanche, tinha a companhia de duas colegas que se mostravam muito motivadas para, por graça, cantar juntas canções da Madonna no laboratório, enquanto trabalhassem. Eu achei a ideia divertida e até sugeri que incluissem a apropriada "Material Girl" no repertório. Arrependi-me imediatamente do estímulo quando decidiram ensaiar logo ali e pedi educadamente que parassem porque eu, na verdade, achava as canções algo irritantes. Uma sorriu solidária e calou-se mas a outra continuou a cantar, como se nada fosse. Voltei a pedir e nada. Levantei-me, ouvi um "problema teu" e saí sem mágoa. O episódio em si não me causa qualquer ressentimento nem tem repercussões na (muito boa) relação que tenho com a colega em causa, até porque se tratou de uma provocação cujo objectivo era mesmo gozar comigo. (Aliás, só se chateia com estas coisas quem não tem nada mais interessante com que se preocupar...) Mas a cena serviu-me de pretexto para questionar-me sobre a fronteira entre a liberdade de expressão e o respeito pelos outros. Que direito deve prevalecer? O da pessoa que quer cantar ou o da que não quer ouvir cantar? Que fazer, por exemplo, com colegas que cantam no trabalho? Mandá-los calar ou comprar uns "headphones"?

Há meia dúzia de anos, passei uma fabulosa tarde em Sintra com um grupo de amigos em que a maioria adorava cantar. Ensaiavam juntos num coro e tinham em mim um fã de presença assídua nos concertos. Na visita a um palácio, talvez o da Quinta da Regaleira, a acústica aparentemente convidativa de uma sala foi testada pelo mini-coro que, para gáudio meu e dos próprios, tinha quatro naipes representados. Insensíveis à qualidade do espectáculo, uns turistas que entretanto apareceram rosnaram qualquer coisa como "se queriam cantar, podiam ir lá para fora...". Eu ouvi e alertei os artistas mas a resposta foi do género "tu é que estás farto de nos ouvir e não tens coragem de o dizer directamente...".

Há dois anos fui, com alguns amigos, ao Coliseu ver e ouvir o concerto sinfónico Madredeus. Em Portugal, os concertos de música não erudita, especialmente os do Coliseu, têm para mim um problema: palmas em excesso. As pessoas, numa estranha série de reflexos pavlovianos, batem palmas quando ouvem os primeiros acordes, batem palmas depois de um refrão mais pujante, batem palmas quando se adivinha o fim da canção, percutem com palmas o ritmo de uma música mais mexida sem que os artistas o peçam... Ironicamente, no ocaso do concerto estão demasiado cansadas para as palmas, gritos e pateadas que costumam proporcionar uns quantos encores ou talvez achem que isso dos gritos e pateadas é coisa de bárbaros. Enfim... De qualquer modo pensei que um concerto dos Madredeus com orquestra seria mais ordeiro e que as explosões de aplausos respeitaria o tempo dos artistas. Não foi bem assim. Nem houve grandes excessos até ao "Haja o que Houver", em que o último "espero por ti" soprado pela voz maviosa da Teresa Salgueiro fez estalar uma histeria que se materializou em vários minutos de palmatoada ininterrupta. Foi assim abafado o brilhante instrumental de guitarra com que o último minuto e meio da canção nos brinda e que a minha acuidade auditiva tentou, debalde, isolar do ruído. Uma das pessoas que estava comigo, ao aperceber-se que eu não estava envolvido naquele momento de aclamação (a que só me juntei dois minutos mais tarde, quando os músicos pararam de tocar), mandou-me um olhar que eu interpretei como "és uma seca, tens a mania que és erudito...". Nessa altura, o meu pensamento era mais do género "estes 3000 trogloditas estão a desrespeitar os músicos, ao fazê-los tocar 'para o boneco', e à meia dúzia de 'cromos' como eu, que pagaram o bilhete para ouvir também as partes em que diva não canta". Mas eu sou um democrata e lembrei-me que a esmagadora maioria ruidosa também pagou bilhete...

Eu continuo a achar que o respeito pelo próximo deve definir as fronteiras do que devemos ou não fazer. Mas também sinto que a paciência e a tolerância permitem um inofensivo alargamento dessas fronteiras. É um equilíbrio muito difícil, se não queremos viver sozinhos... Não procuro verdades ou respostas, busco apenas o dito equilíbrio. E espero também a vossa opinião sobre o assunto...

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