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segunda-feira, abril 26, 2004


Esperança para a Ciência (1) 

Parece-me unânime, no seio da comunidade científica, a opinião de que o modelo adoptado pelo MCES para "Estímulo à Excelência e à Formação de Recursos Humanos Qualificados" (resumo executivo aqui) é profundamente desajustado. Os motivos foram já discutidos aqui e em muitos outros sitíos. Perante um tal cenário de descontentamento generalizado, pode tomar-se quatro atitudes: a de cacicado, a autista, a destrutiva e a construtiva.

O cacicado está comprometido até às orelhas com as forças políticas no Poder e, portanto, apoia todas as medidas mesmo sem saber porquê e mesmo que não saiba nada de Ciência.

A autista é a atitude acrítica, nula, acéfala. Consiste no desinteresse, no aceitar das medidas sem procurar saber detalhes, no não omitir opinião para não se assumir uma tendência política, no manifestar indiferença para não se ser apanhado em falso num raciocínio, no fingir que se acredita que as coisas não podem mudar...

A destrutiva é também muito primária e, por isso, bastante generalizada. É a dos cacicados do outro lado. Assume-se que há má fé e que tudo o que o Governo faz tem um propósito eleitoralista. Usam-se os chavões "demagogia", "cosmética", "cauda da Europa". É sempre lançada pela Oposição e naturalmente amplificada pelos media, sedentos de polémica. É partilhada por alguns cientistas a trabalhar em Portugal, que assim têm uma desculpa para a sua baixíssima produtividade. É também assumida por outros que estão fora, que assim dão finalmente justificação e enquadramento moral ao incómodo que é largar o conforto das condições óptimas em que trabalham para regressar, lutar pela melhoria da Ciência lusa e dar retorno ao investimento feito neles pelo País. Sim, muitos deles esquecem-se que só tiveram acesso às condições de trabalho de que dispõem porque Portugal lhes facultou um financiamento que foi chave para uma mais fácil aceitação pelas instituições de topo a que pertencem (é muito mais fácil ser-se aceite quando se leva dinheiro "próprio"). São os mesmos que me dizem: "se voltares és burro, vais-te queimar, desiludir e não mudas nada...". Percebem todos imenso do assunto mas sugestões e propostas alternativas é que nem vê-las...

Felizmente ainda há muita gente inteligente que entende que o contributo mais útil é influenciar e colaborar com quem tem o dinheiro e o poder de decisão. Afinal, há verbas que podem ser bem gastas e é muito provável que a Ministra até esteja bem intencionada e que, nesse sentido, estejamos todos a puxar para o mesmo lado. Insultar não ajuda... Mais, olhando para tudo o que li, as opiniões mais críticas mas ao mesmo tempo mais consitentes, serenas e construtivas vieram de cientistas no estrangeiro. O Governo está em Portugal, não vê de fora, precisa de ajuda... Essa ajuda há-de chegar em breve através de uma carta aberta, assinada por alguns dos mais reputados cientistas portugueses. Não é a primeira vez que a comunidade científica se move desta forma e tem havido sempre resposta positiva por parte do poder político. No dito documento, a intenção política e a disponibilidade financeira do Governo são elogiadas e o modelo proposto é criticado de forma construtiva. O documento ainda está em elaboração e só lhe terei acesso mais tarde (sim, doutorandos e post-docs vão ser chamados a contribuir) mas as linhas mestras já estão mais ou menos definidas. A Ministra vai ser aconselhada a mudar o grupo alvo para cientistas mais novos (na casa dos 35-45 anos), com capacidade e vontade de começar novos laboratórios. Vai sugerir-se uma ponderação dos critérios que permita ter em conta diferenças entre áreas do saber (é mais fácil publicar numas do que noutras). Deve ser proposta uma forma alternativa de quantificar o impacto das publicações (por exemplo, é preferível ter 20 artigos com 10 citações cada do que 100 com 2 cada). E, pelo que sei, a mensagem apontará no sentido de se despolitizar a atribuição de fundos, por forma a que os cientistas possam ter um papel mais activo, dominante e, sobretudo, independente nos centros de decisão. Logo que tenha mais informações sobre o documento, dou. E divulgá-lo-ei aqui quando estiver pronto. De qualquer modo, é desta comunidade científica que eu quero e me orgulho de fazer parte.

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