terça-feira, abril 27, 2004
Esperança para a Ciência (2)
É importante que quem está fora do meio saiba que não foi por falta de boas ideias ou de pessoas inteligentes com boa vontade que a Ciência em Portugal não avançou mais. Aliás, na última década a Ciência em Portugal deu um salto qualitativo: há mais laboratórios, muitos mais doutorandos e doutorados (alguns em universidades estrangeiras de excelência), publica-se mais e até já se avaliam instituições...
No entanto, a situação ainda não é satisfatória e, a meu ver, e depois de muitas conversas a este respeito, parece-me que todas as causas do problema têm um tronco comum.
Em Portugal, faz-se pouca investigação na indústria e a Ciência sempre esteve ligada às Universidades, que são maioritariamente públicas. Esta situação cria vícios.
Em primeiro lugar, a dependência do Estado politiza a Ciência. Os Governos, por serem responsáveis pela maioria do financiamento, querem controlar tudo e definem prioridades científicas com base em prioridades políticas.
As Universidades, por sua vez, acomodam-se a uma situação em que não têm que concorrer a fontes de financiamento alternativo. É mais fácil meter muitos alunos (bons ou maus) para ir buscar mais dinheiro (uma vez que ainda temos finaciamento per capita) do que entrar em concursos em que o mérito seja condição. Por outro lado, o pessoal científico em Portugal pertence à Função Pública. Desde que se cumpra com as aulinhas e não se dê muita bronca, o contrato é vitalício. Para além disso, como o número de vagas em cada escalão hierárquico é fixo, trabalhar mais e melhor não garante promoção. E assim acabamos por ter, com algumas honrosas excepções, uma comunidade académica mediocre com um medo de morte de avaliações que provem a sua mediocridade.
Há uns anos, o Ministro Mariano Gago tentou integrar a carreira de Investigador na estrutura universitária. As Universidades levantaram tantos problemas que os Laboratórios Associados acabaram por ser a solução possível. Tudo porque os senhores Professores temeram a concorrência dos Investigadores. Aposto que, se pudesse, o Zé Mariano teria mandado para a reforma uns quantos Catedráticos. Eu apoiaria.
Sempre que vem uma medida que vise promover competição entre instituições vem sempre o chavão do “princípio de igualdade” e a desculpa de que é perigoso promover o elitismo. Porquê? Os países de referência em Ciência têm Universidades de elite...
Sempre que abre um concurso para uma vaga de docente, os candidatos cujo percurso académico foi todo feito na própria instituição estão em vantagem, mesmo que tenham um currículo pior - cá chamam a isso inbreeding.
Sempre que se adopta um estilo empresarial de gestão que premeie a produtividade, lá vem o argumento da privatização de interesses e da venda ao capital.
Quase todos os bons cientistas portugueses a trabalhar no estrangeiro defendem que os laboratórios que não atingem patamares mínimos de qualidade devem deixar de ser financiados. Sempre que o fazem publicamente chamam-lhes fascistas. Com sorte, respondem-lhes condescendentemente: “está fora há muitos anos, a realidade portuguesa é diferente...”. Há quem se contente apenas por existir, por fazer a sua experência doméstica, por publicar na revista local. Como se a Ciência não fosse internacional, universal...
No Instituto de Histologia (Faculdade de Medicina de Lisboa) estimula-se os alunos de Medicina que lá fazem estágios de investigação a apresentar os seus trabalhos em Inglês, para se irem habituando à língua franca da Ciência. Na Faculdade há quem ache isto snob.
Resumindo, ser excelente dá muito trabalho e ninguém quer trabalhar. Daí o medo de avaliações externas, de competição...
Há uns anos, num encontro de estudantes de Física, discutia-se o futuro profissional dos Engenheiros Físicos. Na altura, manifestei optimismo e disse que os bons profissionais teriam sempre emprego. Perguntaram-me: “então e os mais fracos?” Eu respondi: “esses devem esforçar-se por ser bons.” Quase me queimavam vivo...
É preciso criar, de uma vez por todas, a consciência colectiva de que a Ciência e a Academia não existem para dar emprego mas sim para servir a Sociedade e o Saber. Aliás, não faz sentido querer-se um emprego qualquer se não se pode ser útil. E não pode haver Ciência fraca: é inútil...
O Reino Unido tem a maior produtividade científica da Europa e não é o país com maior investimento público em Ciência. Mas aqui a gestão do dinheiro é feita por comissões científicas independentes do Estado. Aqui os contratos permanentes são mais difíceis mas atribuídos por mérito. Aqui os laboratórios que não publicam são obrigados a fechar. E, mais interessante ainda, aqui os cientistas explicam às pessoas o que andam a fazer e muito do dinheiro para Ciência (em especial para a área da Medicina) vem de donativos.
Poderia dar o exemplo dos Estados Unidos mas não conheço tão bem e não defendo o modelo americano de “corda na garganta”, competição desenfreada e capitalismo selvagem aplicado à Ciência. Parece-me que forma cientistas produtivos mas incultos e pouco escrupulosos, com consequências morais e democráticas negativas.
Eu adoro trabalhar em Ciência. É um espaço de liberdade, de autonomia, de desafio, de estímulo, de informação, de actualização, de universalidade... É onde se encontram as pessoas mais interessantes. Mas trabalhar em Ciência é duro. Não há horários, não há quem nos diga o que fazer, não sabemos de antemão o produto final do nosso trabalho, não se ganha muito dinheiro... É preciso competir mas é preciso colaborar. É preciso publicar e é preciso arranjar dinheiro para os projectos. É preciso perceber conceitos complicados e é preciso saber explicá-los.
Por isso é complexa, por isso é elitista, por isso dá tanta discussão mas só assim é que funciona e Portugal vai ter que o perceber.
0 comentários
No entanto, a situação ainda não é satisfatória e, a meu ver, e depois de muitas conversas a este respeito, parece-me que todas as causas do problema têm um tronco comum.
Em Portugal, faz-se pouca investigação na indústria e a Ciência sempre esteve ligada às Universidades, que são maioritariamente públicas. Esta situação cria vícios.
Em primeiro lugar, a dependência do Estado politiza a Ciência. Os Governos, por serem responsáveis pela maioria do financiamento, querem controlar tudo e definem prioridades científicas com base em prioridades políticas.
As Universidades, por sua vez, acomodam-se a uma situação em que não têm que concorrer a fontes de financiamento alternativo. É mais fácil meter muitos alunos (bons ou maus) para ir buscar mais dinheiro (uma vez que ainda temos finaciamento per capita) do que entrar em concursos em que o mérito seja condição. Por outro lado, o pessoal científico em Portugal pertence à Função Pública. Desde que se cumpra com as aulinhas e não se dê muita bronca, o contrato é vitalício. Para além disso, como o número de vagas em cada escalão hierárquico é fixo, trabalhar mais e melhor não garante promoção. E assim acabamos por ter, com algumas honrosas excepções, uma comunidade académica mediocre com um medo de morte de avaliações que provem a sua mediocridade.
Há uns anos, o Ministro Mariano Gago tentou integrar a carreira de Investigador na estrutura universitária. As Universidades levantaram tantos problemas que os Laboratórios Associados acabaram por ser a solução possível. Tudo porque os senhores Professores temeram a concorrência dos Investigadores. Aposto que, se pudesse, o Zé Mariano teria mandado para a reforma uns quantos Catedráticos. Eu apoiaria.
Sempre que vem uma medida que vise promover competição entre instituições vem sempre o chavão do “princípio de igualdade” e a desculpa de que é perigoso promover o elitismo. Porquê? Os países de referência em Ciência têm Universidades de elite...
Sempre que abre um concurso para uma vaga de docente, os candidatos cujo percurso académico foi todo feito na própria instituição estão em vantagem, mesmo que tenham um currículo pior - cá chamam a isso inbreeding.
Sempre que se adopta um estilo empresarial de gestão que premeie a produtividade, lá vem o argumento da privatização de interesses e da venda ao capital.
Quase todos os bons cientistas portugueses a trabalhar no estrangeiro defendem que os laboratórios que não atingem patamares mínimos de qualidade devem deixar de ser financiados. Sempre que o fazem publicamente chamam-lhes fascistas. Com sorte, respondem-lhes condescendentemente: “está fora há muitos anos, a realidade portuguesa é diferente...”. Há quem se contente apenas por existir, por fazer a sua experência doméstica, por publicar na revista local. Como se a Ciência não fosse internacional, universal...
No Instituto de Histologia (Faculdade de Medicina de Lisboa) estimula-se os alunos de Medicina que lá fazem estágios de investigação a apresentar os seus trabalhos em Inglês, para se irem habituando à língua franca da Ciência. Na Faculdade há quem ache isto snob.
Resumindo, ser excelente dá muito trabalho e ninguém quer trabalhar. Daí o medo de avaliações externas, de competição...
Há uns anos, num encontro de estudantes de Física, discutia-se o futuro profissional dos Engenheiros Físicos. Na altura, manifestei optimismo e disse que os bons profissionais teriam sempre emprego. Perguntaram-me: “então e os mais fracos?” Eu respondi: “esses devem esforçar-se por ser bons.” Quase me queimavam vivo...
É preciso criar, de uma vez por todas, a consciência colectiva de que a Ciência e a Academia não existem para dar emprego mas sim para servir a Sociedade e o Saber. Aliás, não faz sentido querer-se um emprego qualquer se não se pode ser útil. E não pode haver Ciência fraca: é inútil...
O Reino Unido tem a maior produtividade científica da Europa e não é o país com maior investimento público em Ciência. Mas aqui a gestão do dinheiro é feita por comissões científicas independentes do Estado. Aqui os contratos permanentes são mais difíceis mas atribuídos por mérito. Aqui os laboratórios que não publicam são obrigados a fechar. E, mais interessante ainda, aqui os cientistas explicam às pessoas o que andam a fazer e muito do dinheiro para Ciência (em especial para a área da Medicina) vem de donativos.
Poderia dar o exemplo dos Estados Unidos mas não conheço tão bem e não defendo o modelo americano de “corda na garganta”, competição desenfreada e capitalismo selvagem aplicado à Ciência. Parece-me que forma cientistas produtivos mas incultos e pouco escrupulosos, com consequências morais e democráticas negativas.
Eu adoro trabalhar em Ciência. É um espaço de liberdade, de autonomia, de desafio, de estímulo, de informação, de actualização, de universalidade... É onde se encontram as pessoas mais interessantes. Mas trabalhar em Ciência é duro. Não há horários, não há quem nos diga o que fazer, não sabemos de antemão o produto final do nosso trabalho, não se ganha muito dinheiro... É preciso competir mas é preciso colaborar. É preciso publicar e é preciso arranjar dinheiro para os projectos. É preciso perceber conceitos complicados e é preciso saber explicá-los.
Por isso é complexa, por isso é elitista, por isso dá tanta discussão mas só assim é que funciona e Portugal vai ter que o perceber.
0 comentários
Comentários Blogger(0):
Enviar um comentário (comenta!)